Encontrámos Laudolino Carlos
Medina, Director de AMIC e coordenador da “Rede África Ocidental” (RAO) na
Guiné-Bissau, aquando da sua passagem em Genebra. Foi a ocasião de retraçar com
ele a aventura da RAO desde os seus inícios em 2005 e o impacto que esta teve
sobre a situação das crianças em movimento na Guiné-Bissau.
SSI: A Guiné-Bissau é um dos
primeiros países a ter integrado a RAO em 2005. Qual era a situação neste
momento?
L. C. Medina: A nossa organização,
AMIC, era a única em 2004-2005 a preocupar-se das crianças em movimento entre a
Guiné-Bissau e os outros países da sub-região, e principalmente das crianças
vítimas do tráfico. Nada existia para combater o fenómeno, nem do lado do
Estado, nem das outras organizações. Quando tivemos os primeiros contactos com
o “Programa África Ocidental para a protecção das crianças” (RAO), abraçámos
imediatamente esta iniciativa.
Durante a fase piloto,
constituímos um centro de acolhimento e de trânsito para essas crianças, que
muitas das vezes partiam fazer uma aprendizagem corânica no Senegal, mas que
voltaram novamente em mendigar nas ruas de Dakar…Às vezes, fomos acusados de
lutar contra a religião muçulmana, mas as pessoas finalmente inteiraram-se da
pertinência da nossa diligência e da metodologia utilizada pela RAO, orientada
sobre a criança, independentemente da religião ou da raça.
Foi assim que nasceu um comité
nacional de luta contra o tráfico, que funciona ainda hoje e é doravante
presidido pelas autoridades governamentais. É um órgão de concertação e de
decisão agrupando o Estado, as ONG e organizações islâmicas.
Quais são as problemáticas que o
termo “crianças em deslocação” agrupa, na Guiné-Bissau?
A maioria dessas crianças são
talibés (em aprendizagem corânica), obrigadas de mendigar para viver. Em Dakar
(Senegal), imagina que 30% das crianças mendigas (cerca de 7000) provêm da
Guiné-Bissau! Encontramos também, desta vez no nosso caso, em Bissau, pequenos
vendedores e pequenos engraxadores de calçados que vêm principalmente de
Guiné-Conakry. São em média de 8 a 16 anos…
Por outro lado, há o fenómeno das
meninas domésticas, dos jovens que vão para plantações de algodão ou de
amend oins no Senegal, pequenos tecelões de panos, etc. Sem contar os casamentos
forçados, onde as jovens meninas são ocasionalmente vendidas como dote.
O que pôde ser feito desde 2005,
quais resultados foram alcançados? E qual é a situação actual?
Muitas coisas foram cumpridas
graças a nossa participação na RAO! Constituímos nomeadamente todo um programa
de formação dos actores-chaves, como por exemplo os membros da Guarda nacional,
nomeadamente a Guarda das fronteiras, mas também leaders tradicionais e
religiosos.
Como o problema foi reconhecido
pelo Estado, as coisas evoluam, nomeadamente graças às novas leis…mas devemos
dizer que muito fica para fazer porque o Estado só está realmente presente nos
grandes centros do país…
Várias estruturas, nomeadamente
três centros de acolhimento, são doravante operacionais, o que fez que as condições
de acolhimento dessas crianças são amplamente melhoradas. Somos doravante uma
verdadeira coligação de organizações que têm um grande interesse para o bem das
crianças em aflição.
Hoje, por outro lado, entrámos
numa fase de prevenção. AMIC está muita activa neste domínio, pelas emissões de
rádio semanais numa cadeia nacional, a publicação de BD, de manuais, de
cartazes decorativos, pelas performances de grupos teatrais, tudo isto no
intuito de sensibilizar a população para esta problemática.
Hoje o problema não é unicamente
internacional, p.ex. entre a Guiné-Bissau e o Senegal, mas igualmente entre as
grandes cidades do nosso país. Prevemos fazer dentro em breve um recenseamento
das necessidades neste domínio e ver que repostas dar a este novo desafio.
Perspectivas do
futuro
Qual é a contribuição específica
da RAO face a esta problemática?
É evidente que o aspecto
importante é o apoio financeiro, que permitiu-nos e permite-nos ainda ter uma
grande estabilidade no nosso trabalho: resolvemos os problemas logísticos,
fornecer o necessário a nossa equipa (temos agora 9 assalariados que trabalham
directamente no quadro da Rede, além de várias pessoas benévolas), o que nos
permite concentrar sobre o essencial: a ajuda às crianças! Também doutros
parceiros juntaram-se a nos.
Mas a verdadeira especificidade
da RAO reside na sua metodologia. Ela é muita eficaz e trouxe resultados
concretos. Nos pudemos assim reintegrar na sua família cerca de 400 crianças,
com um verdadeiro projecto de reinserção e de formação, bem como um seguimento
personalizado para vários anos. Ainda falta muito a fazer!
Justamente, o que feito das
crianças uma vez nos seus lares? Há partidas?
Os projectos de reinserção, que
englobam em vários casos a aldeia inteira, permitam limitar intensamente os
casos de reincidência, o objectivo sendo dar uma verdadeira formação e
perspectivas de futuro às crianças. Para dar um exemplo: identificamos 7
aldeias que tinham grande mobilidade das crianças. Organizamos e formamos um
comité de gestão e de fiscalização e elaborámos projectos agrícolas
comunitários, apoiados justamente pela RAO. Os produtos são vendidos a
proveito, de um lado de uma caixa comunitária permitindo comprar material
escolar, pagar um mestre corânico local ou um docente, etc., e de outro
sustentar as próprias famílias.
O acompanhamento dessas crianças
e desses jovens, no seu ambiente familiar, é portanto crucial…
Sim, e a resposta que damos deve
ser holístico, englobar todos os aspectos da vida dessas crianças. Ter uma boa
lei não é tudo, devemos ocupar-se com questões de saúde, educação, sem esquecer
a sensibilização do maior número!