quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Entrevista do Laudolino Carlos Medina, Secretário Executivo da AMIC em Genebra

Encontrámos Laudolino Carlos Medina, Director de AMIC e coordenador da “Rede África Ocidental” (RAO) na Guiné-Bissau, aquando da sua passagem em Genebra. Foi a ocasião de retraçar com ele a aventura da RAO desde os seus inícios em 2005 e o impacto que esta teve sobre a situação das crianças em movimento na Guiné-Bissau.



SSI: A Guiné-Bissau é um dos primeiros países a ter integrado a RAO em 2005. Qual era a situação neste momento?

L. C. Medina: A nossa organização, AMIC, era a única em 2004-2005 a preocupar-se das crianças em movimento entre a Guiné-Bissau e os outros países da sub-região, e principalmente das crianças vítimas do tráfico. Nada existia para combater o fenómeno, nem do lado do Estado, nem das outras organizações. Quando tivemos os primeiros contactos com o “Programa África Ocidental para a protecção das crianças” (RAO), abraçámos imediatamente esta iniciativa.

 Durante a fase piloto, constituímos um centro de acolhimento e de trânsito para essas crianças, que muitas das vezes partiam fazer uma aprendizagem corânica no Senegal, mas que voltaram novamente em mendigar nas ruas de Dakar…Às vezes, fomos acusados de lutar contra a religião muçulmana, mas as pessoas finalmente inteiraram-se da pertinência da nossa diligência e da metodologia utilizada pela RAO, orientada sobre a criança, independentemente da religião ou da raça.

Foi assim que nasceu um comité nacional de luta contra o tráfico, que funciona ainda hoje e é doravante presidido pelas autoridades governamentais. É um órgão de concertação e de decisão agrupando o Estado, as ONG e organizações islâmicas.  

Quais são as problemáticas que o termo “crianças em deslocação” agrupa, na Guiné-Bissau?

A maioria dessas crianças são talibés (em aprendizagem corânica), obrigadas de mendigar para viver. Em Dakar (Senegal), imagina que 30% das crianças mendigas (cerca de 7000) provêm da Guiné-Bissau! Encontramos também, desta vez no nosso caso, em Bissau, pequenos vendedores e pequenos engraxadores de calçados que vêm principalmente de Guiné-Conakry. São em média de 8 a 16 anos…

Por outro lado, há o fenómeno das meninas domésticas, dos jovens que vão para plantações de algodão ou de amend oins no Senegal, pequenos tecelões de panos, etc. Sem contar os casamentos forçados, onde as jovens meninas são ocasionalmente vendidas como dote.

O que pôde ser feito desde 2005, quais resultados foram alcançados? E qual é a situação actual?

Muitas coisas foram cumpridas graças a nossa participação na RAO! Constituímos nomeadamente todo um programa de formação dos actores-chaves, como por exemplo os membros da Guarda nacional, nomeadamente a Guarda das fronteiras, mas também leaders tradicionais e religiosos.

Como o problema foi reconhecido pelo Estado, as coisas evoluam, nomeadamente graças às novas leis…mas devemos dizer que muito fica para fazer porque o Estado só está realmente presente nos grandes centros do país…

Várias estruturas, nomeadamente três centros de acolhimento, são doravante operacionais, o que fez que as condições de acolhimento dessas crianças são amplamente melhoradas. Somos doravante uma verdadeira coligação de organizações que têm um grande interesse para o bem das crianças em aflição.

Hoje, por outro lado, entrámos numa fase de prevenção. AMIC está muita activa neste domínio, pelas emissões de rádio semanais numa cadeia nacional, a publicação de BD, de manuais, de cartazes decorativos, pelas performances de grupos teatrais, tudo isto no intuito de sensibilizar a população para esta problemática.

Hoje o problema não é unicamente internacional, p.ex. entre a Guiné-Bissau e o Senegal, mas igualmente entre as grandes cidades do nosso país. Prevemos fazer dentro em breve um recenseamento das necessidades neste domínio e ver que repostas dar a este novo desafio.

Perspectivas do futuro

Qual é a contribuição específica da RAO face a esta problemática?

É evidente que o aspecto importante é o apoio financeiro, que permitiu-nos e permite-nos ainda ter uma grande estabilidade no nosso trabalho: resolvemos os problemas logísticos, fornecer o necessário a nossa equipa (temos agora 9 assalariados que trabalham directamente no quadro da Rede, além de várias pessoas benévolas), o que nos permite concentrar sobre o essencial: a ajuda às crianças! Também doutros parceiros juntaram-se a nos.

Mas a verdadeira especificidade da RAO reside na sua metodologia. Ela é muita eficaz e trouxe resultados concretos. Nos pudemos assim reintegrar na sua família cerca de 400 crianças, com um verdadeiro projecto de reinserção e de formação, bem como um seguimento personalizado para vários anos. Ainda falta muito a fazer!

Justamente, o que feito das crianças uma vez nos seus lares? Há partidas?

Os projectos de reinserção, que englobam em vários casos a aldeia inteira, permitam limitar intensamente os casos de reincidência, o objectivo sendo dar uma verdadeira formação e perspectivas de futuro às crianças. Para dar um exemplo: identificamos 7 aldeias que tinham grande mobilidade das crianças. Organizamos e formamos um comité de gestão e de fiscalização e elaborámos projectos agrícolas comunitários, apoiados justamente pela RAO. Os produtos são vendidos a proveito, de um lado de uma caixa comunitária permitindo comprar material escolar, pagar um mestre corânico local ou um docente, etc., e de outro sustentar as próprias famílias.

O acompanhamento dessas crianças e desses jovens, no seu ambiente familiar, é portanto crucial…

Sim, e a resposta que damos deve ser holístico, englobar todos os aspectos da vida dessas crianças. Ter uma boa lei não é tudo, devemos ocupar-se com questões de saúde, educação, sem esquecer a sensibilização do maior número!  



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